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Cine Itapuã, no Gama, mais perto de ser devolvido ao público

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Se houvesse um filme em cartaz no Cine Itapuã, seria um longa-metragem sobre recomeço e superação. Hoje, quem passa pela Praça Lourival Bandeira, no Gama Leste, testemunha o incessante entra e sai de operários empurrando carrinhos de mão repletos de material de construção.

Inaugurado em 1961, o Cine Itapuã foi por muito tempo o ponto de convergência da movimentação cultural no Gama, funcionando como cinema e teatro | Foto: Reprodução

A expectativa toma conta da comunidade. Afinal, essa reforma é o primeiro passo para tirar o espaço cultural do descaso a que estava relegado desde 2005. O Itapuã foi transferido para a administração da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) em agosto de 2021 e agora avançam as ações emergenciais para a recuperação de sua estrutura física.

Com aporte de R$ 463.355,04, a pasta iniciou a obra em outubro de 2021 com os serviços de manutenção do telhado, impermeabilização de todas as paredes e pintura da fachada frontal da edificação. Na sequência, entra em cena uma equipe técnica para especificar projetos complementares (elétrico e hidráulico) e de levantamento de mecanismos cênicos para atender às necessidades técnicas de um cineteatro. Por fim, a compra do mobiliário.

“Estamos diante de uma grande joia do Gama e do Distrito Federal. Esse espaço carrega consigo um baú de memórias afetivas desse povo ativamente cultural. O Cine Itapuã é um dos símbolos da cultura do DF como um todo. Devolver um espaço desta magnitude para a população é estimular a formação de novos públicos e o exercício da cidadania para as próximas gerações”, ressalta o secretário em exercício, Carlos Alberto Jr.

O cinema, que ocupa área de 3.270 metros quadrados, tem vista para a Praça Lourival Bandeira, homenagem ao antigo repentista e pioneiro do Gama. A praça é mais conhecida como Praça do Cine Itapuã e contém uma estátua em homenagem a Lourival, projetada pelo artista plástico, arquiteto e urbanista Ariomar da Luz Nogueira.

Noite de casa cheia, nos tempos áureos do histórico cineteatro do Gama

Para além de árvores e bancos de concreto, no local existe um coreto em formato de palco que abriga diversos tipos de atrações culturais. Recentemente, a Administração Regional do Gama solicitou à Novacap a reforma desse espaço público.

Memórias vivas

A notícia de recuperação do Cine Itapuã reaviva as memórias dos moradores e artistas que tocaram nesse importante espaço cultural do DF. Regente da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS), o maestro Claudio Cohen relata que a OSTNCS sempre praticou uma política de descentralização de suas atividades nas regiões administrativas do DF. No Gama, o espaço que sempre atendeu às apresentações foi o Cine Itapuã.

“Realizamos apresentações entre as décadas de 1980 e 2000. Creio que nossa última apresentação por lá foi em 2005. Os concertos ocorriam, em geral, aos sábados à tarde e sempre tínhamos um ótimo público”, ressalta Cohen.

Morador do Gama desde criança, o advogado e músico Júlio Teixeira, 52 anos, elege o Cine Itapuã como o seu lugar preferido da cidade. Membro de uma comunidade católica, o Grupo Átrios, Júlio lançou o primeiro álbum de sua banda em 1999.

“Como vi o Gama crescer, acompanhei todas as fases do Cine Itapuã, como frequentador do cinema e da praça. Essa agitação cultural movimentava a juventude na minha cidade. O lançamento do nosso álbum marcou a história da comunidade católica gamense. O espaço possui grande competência para espetáculos e cinema. Queremos o Cine Itapuã em plena atividade”, destacou Júlio.

Passeio escolar

Nascido no Gama, o vendedor Fábio Leal, 40 anos, conta que o Cine Itapuã marcou a sua primeira visita a uma sala de cinema. Ele destaca que, na década de 1990, o cinema era “a coisa mais linda do mundo para as crianças. Era o sonho de passeio escolar.”

O cantor Júnior Johns lembra com saudosismo dos shows de sua primeira banda no cine | Foto: Divulgação

“Ali, vivi uma situação mágica. Conheci o Itapuã durante um passeio escolar da terceira série. Lembro-me que, naquela época, os dois destinos mais visitados dos passeios escolares eram o Cine Itapuã e o Planetário, no Plano Piloto. Era muito mais viável a criançada ir para o cinema, perto de casa. O primeiro filme que assisti foi A História Sem Fim, que considero mágico, épico e inesquecível!”, revive Fábio.

Claudio Augusto, 41 anos, engenheiro agrônomo, chegou ao Gama em 1993, e lembra-se que, em meados da década de 1990, a efervescência cultural no Gama era algo muito forte e o ponto de encontro de poetas, violeiros, artistas visuais era o Cine Itapuã. Diversas manifestações aconteciam dentro e fora da sala.

“O Cine Itapuã traz a memória do meu filme favorito, Um Sonho de Liberdade, além do festival Temporadas Populares, que reuniu artistas nacionais como Moraes Moreira e Zélia Duncan. Fui agraciado com um autógrafo de Afonso Brazza, o famoso cineasta bombeiro, no canhoto dos ingressos. A mulher dele, Claudete Joubert, ficava na bilheteria, enquanto ele recepcionava o público. O Itapuã contribuiu muito para as experiências culturais mais ricas que tivemos”, afirma Claudio.

Sonho realizado no palco

O cantor e compositor gamense Júnior Johns, 41 anos, lembra-se com saudosismo dos shows de sua primeira banda no cine, a Thelombra, em 2000. Ele conta que o sonho de tocar em um local emblemático para a cidade o motivou a usar o espaço, que já enfrentava problemas na época, e foi no palco do Itapuã que lançou o disco da banda.

Após o fim da Thelombra, em 2007, Júnior, que se destaca em carreira solo, considera que a situação pode melhorar. “Assisti aos filmes Esqueceram de Mim e Tartarugas Ninjas quando criança. Era um grande sonho tocar no cine ou no coreto da pracinha. Minha esperança é de que esse espaço seja reativado e utilizado como ponto de cultura na cidade.”

Bilheteira do Cine Itapuã de 1978 até 1980, Ivone Felício, 63 anos, conta que tocar a bilheteria do cinema foi seu primeiro emprego e era muito divertida a experiência de conviver com a sétima arte e contribuir com a fruição de cultura no local.

Ivone Felício teve seu primeiro emprego como bilheteira do Cine Itapuã, de 1978 até 1980 | Foto: Acervo pessoal

“Na época, meu pai era gerente do cinema. Aos domingos, após a missa, na Igreja São Sebastião, a praça lotava e todo mundo ia para o cinema depois. As matinês também faziam muito sucesso, e o filme que mais me lembro da época foi O Jogo da Morte, de Bruce Lee”, relembrou Ivone.

Astro do cinema

O Cine Itapuã foi inspiração para jovens cineastas de destaque no país, a exemplo do lendário cineasta e bombeiro Afonso Brazza (1955-2003), que cresceu no Gama. Foi para lá que seus pais piauienses migraram para ganhar a vida fora do Nordeste.

Afonso Brazza também ficou conhecido como o “Rambo do Cerrado” e fez cinema com o que podia: filmava com negativos quase vencidos, entre outras saídas criativas. Com poucos recursos, transformou o que seria uma precariedade técnica em estética. Hoje, o cineasta enumera admiradores e amigos no Gama e em todo o país.

Brazza produziu filmes de ação, sempre utilizando Brasília e o Gama como cenário. O primeiro filme – Inferno no Gama (1993), lançado no Cine Itapuã – conta uma história de crime e vingança passada na cidade. Na película, atuou ao lado da mulher, a atriz Claudette Joubert. O gênero trash do cineasta brasileiro mostrou sua originalidade de fazer cinema na cidade. Ao todo, Brazza assinou a direção de oito filmes e atuou em 13, todos de baixo orçamento.

“Eu quero estar sempre na memória das pessoas, mas lentamente. A fama leva à destruição, é instantânea e por isso mesmo faz mal, faz você passar por cima de tudo, inclusive dos amigos. A fama é curta. Quero admiração e respeito. É uma fama simples, do meu jeito”, declarou certa vez o cineasta.

Brazza morreu aos 48 anos de idade, vítima das complicações de um câncer no esôfago. Ele deixou Fuga sem Destino, o último filme, inacabado. Ainda no leito do hospital, pediu ao amigo e cineasta Pedro Lacerda para que não deixasse seu filme parado.

Lacerda aceitou o desafio e, em 2006, concluiu Fuga Sem Destino, que teve sua estreia no Festival de Brasília com a presença de todo o elenco e também do ator e diretor Selton Mello, que planeja desenvolver um projeto sobre o cineasta bombeiro.

O legado do bombeiro-cineasta também rendeu a homenagem Afonso É uma Brazza, de Naji Sidki e James Gama, que saiu do 48º Festival de Brasília com o Candango de melhor curta-metragem eleito pelo júri popular.

Morador do Gama, o bombeiro e cineasta Afonso Brazza (com sua mulher e atriz Claudete Joubert) também ficou conhecido como o “Rambo do Cerrado” e fez cinema com o que podia | Foto: Divulgação

Falência e venda

Primo-irmão do Cine Brasília, o Itapuã foi inaugurado em 28 de março de 1961, e gerenciado pela empresa de cinema paulista Paulo de Sá Pinto. Projetado pelo engenheiro Ciro Loddo, o local foi considerado o segundo maior cinema de Brasília.

Era uma das principais opções de lazer durante décadas para a população do Gama e arredores. Filmes brasileiros e infantis marcavam as exibições, que lotavam o cinema. Na Semana Santa, as produções religiosas também atraiam centenas de espectadores.

Após a saída da empresa Sá Pinto, em 1986, o cinema sofreu uma pequena reforma e, em 1988, veio a ser reinaugurado, sob a administração do Cineclube Porta Aberta. Nessa época, foram exibidos filmes de arte, além da programação simultânea do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB). Foram lançados inúmeros títulos nacionais, além de vários filmes em formato de curtas, médias e longas-metragens.

Na época, os jovens gamenses eram vistos nas sessões de kung-fu e também de cinema adulto. Passaram por lá a polêmica fita francesa Je Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard; e as nacionais Feliz Ano Velho, de Roberto Gervitz, e A Marvada Carne, de André Klotzel.

Em 1990, durante o governo Fernando Collor de Mello, a instituição que movia a indústria de audiovisual no país, Embrafilme, fechou as portas, inviabilizando a produção cinematográfica brasileira e forçando o fechamento de cinemas pelo Brasil afora.

Em 1991, o Cineclube Porta Aberta deixou o espaço do Cine Itapuã. Em péssimo estado de conservação, a sala foi destinada a encontros da comunidade e shows de rock, transformando-se no Centro Cultural Itapuã.

Comprado em seguida por um grupo de lojistas da cidade, o local foi doado ao Governo do Distrito Federal (GDF) ainda na década de 1990, mas só foi oficializada a carga patrimonial em 2012, quando o cinema se encontrava fechado e degradado desde 2005.

Após esse período, houve tentativas frustradas de gestões anteriores de revitalizá-lo, com audiências públicas que não se concretizaram.

*Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa

Fonte: Agência Brasília

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